A Vontade de Avançar
A Vontade de Avançar
A Filosofia Esotérica Como Uma Caminhada Diária
Um Estudante de Teosofia
O caminho espiritual
raramente é cômodo. Os obstáculos dificilmente são poucos, e as surpresas nem
sempre são agradáveis.
É verdade que a sabedoria que se alcança ao avançar pelo
caminho é eterna. Mas não há garantias de progresso visível, e será preciso manter
uma determinação inabalável. Além disso, uma das primeiras providências a tomar
é a decisão de jamais reclamar das circunstâncias em que se deve viver. Pode-se trabalhar para obter o objetivo
sonhado, mas lamentar-se é uma grave perda de energias. Robert Crosbie, o fundador da Loja Unida de
Teosofistas, escreveu:
“Na grande economia da Lei e da
Natureza, cada ser está exatamente onde deveria estar para erradicar os erros.
Todas as condições para o seu crescimento estão presentes. A única questão
depende dele: ele vai encarar as circunstâncias como ‘sofrimento’ ou como oportunidades?
Se ele opta pela segunda alternativa, tudo fica bem; ele está destinado a
vencer, seja longo ou seja curto o caminho para isso.” [1]
Circunstâncias idênticas têm diferentes significados para indivíduos
diferentes. “Há coisas que afetam algumas pessoas terrivelmente”, afirma
Crosbie. “As mesmas coisas afetam outras pessoas muito pouco, ou nem as
afetam. Por quê? Por causa do ponto de vista adotado. É a nossa
atitude em relação às coisas que provoca o sofrimento ou o não-sofrimento, o prazer
ou a dor - e não as coisas em si mesmas.”
[2]
É essencial, portanto, escolher com
cuidado o ângulo a partir do qual enxergamos a cada momento a vida. A maneira
de olhar pré-define, em grande parte, o significado daquilo que vivemos. Ver
o mundo tomando como premissa uma meta nobre e um método adequado de ação
revela diante do caminhante os ângulos corretos da realidade e abre caminho
para conhecer e eliminar as causas do sofrimento. O ponto de vista da sabedoria
produz, cedo ou tarde, pensamentos sábios. Crosbie esclarece:
“Se começamos a pensar
corretamente, nós damos uma direção a aquela força espiritual que é a própria
essência da nossa natureza.” [3]
E ele acrescenta:
“... Se um desejo ou aspiração é
inegoísta, nobre, universal, então a força que flui através do indivíduo é
grande, nobre, universal, em seu caráter.”
[4]
Todo fatalismo é uma ingenuidade, quando não é um apego à
rotina. Ninguém é um pedaço de madeira levado
sem remédio pela correnteza da vida. A cada momento, o indivíduo tem a
possibilidade da escolha consciente sobre o rumo das suas ações e do seu estado
de espírito; e isto define não só o seu presente, mas o seu futuro. Sempre
é possível vencer as circunstâncias, por mais negativas que elas pareçam. Quando
a meta e o método são bem escolhidos, a vitória existe como possibilidade pelo
menos no plano interno; e esse é, de longe, o plano mais importante da
realidade.
Crosbie afirma:
“O momento da
escolha existe o tempo todo para cada indivíduo. (....) Aquele que
faz o melhor que pode, com uma motivação correta e uma sincera
boa vontade, faz o suficiente.” [5]
Para caminhar, não bastam votos genéricos de boa intenção:
“Tomar decisões nobres nunca nos causará bem algum, a menos que as sustentemos. Um mero desejo nunca nos levará a lugar algum. Temos que sustentar o desejo; temos que manter a decisão. Devemos exercer nossa vontade e ser fiéis o tempo todo ao objetivo buscado pela vontade.” [6]
Esta força interna surge aos poucos, e de modo natural. Nada acontece de repente na natureza - a menos que já tenha sido preparado longamente antes.
“A Esperança é irmã da Paciência, e as duas juntas são madrinhas da Vida Correta.” [7]
A Esperança adequada é a aspiração voltada para coisas elevadas. A Paciência é a capacidade de aguardar que as causas amadureçam em seu próprio ritmo, uma vez que estamos na direção certa. Mas, enquanto esperamos nada melhor do que avançar ainda mais nas dimensões em que isso é possível. Com uma força razoável de vontade dirigindo pensamento, emoção e ação, a caminhada passa a ter menos obstáculos. Crosbie escreve:
“Uma vez que as ideias corretas estão estabelecidas em
nossas mentes, nós podemos ajudar o mundo falando sobre elas e
exemplificando-as. Isso é algo que nós podemos fazer, por mais egoísta que seja
o modo do mundo se movimentar.” [8]
Há um momento em que já distinguimos palidamente o que é
correto e verdadeiro para nós. Isso é bom. Mas é preciso dar um passo à frente para
testar de fato esta antevisão. Deve-se tentar repetidamente colocá-la em
prática, até que ela ganhe força real em nossas vidas.
Quando o caminhante vê com nitidez o que é verdadeiro e
correto para ele próprio, ainda há uma distância grande entre enxergar o ideal
e vivê-lo. E isso é natural. O sentido da visão se caracteriza,
precisamente, pela percepção daquilo que está a uma distância de nós, mas para
o qual podemos caminhar.
A distância entre o sonho e a prática - entre a meta do estudante e o ponto em que ele
está - dá lugar ao processo probatório
ao longo do qual ele irá adquirir
méritos e condições práticas de vencer. A distância é um motivo para ir adiante, e não
para desanimar. A diferença entre sonho e realidade implica que há um sonho
nobre a ser buscado.
Mas como percorrer a longa etapa do caminho que vai desde a
nítida percepção do que é correto até a plena vivência direta?
Ninguém é uma ilha cármica. Tudo e todos se
inter-relacionam. Se não emitirmos nossa
energia, ela não será confirmada. Quando compreendemos algo profundamente, o
próximo passo é “emitir o mantra”, isto é, irradiar aquele padrão vibratório em
direção ao mundo, e assim confirmá-lo.
Isto tem um modo e um momento próprios para ocorrer. A
ocasião e a maneira devem ser percebidas. Quando o discípulo está pronto, ele compreende
que o mestre interior estava lá o tempo todo. Quando o filhote de pássaro
amadurece, ele faz as devidas considerações sobre o novo estágio do seu
aprendizado e se atira para fora do Ninho da Rotina, para testar na prática os
seus novos conhecimentos sobre a arte de voar. Mas antes disso é preciso verificar
se há desapego. Séculos atrás, São João
da Cruz explicou:
“Pouco importa estar o pássaro amarrado por um fio grosso ou
fino; desde que não se liberte, estará tão preso por um como pelo outro.
Verdade é que quanto mais tênue for o fio, mais fácil será de se partir. Mas,
por frágil que seja o pássaro estará sempre retido por ele enquanto não o
quebrar para alçar vôo. Assim sucede à alma cativa por afeição a qualquer
coisa: jamais chegará à liberdade da união divina, por mais virtudes que
possua.”
A arte de voar pode libertar o indivíduo, mas impõe algumas exigências:
“As condições do pássaro solitário são cinco. A primeira,
voar em direção ao mais alto; a segunda, não tolerar companhia alguma, nem
mesmo a da sua natureza; a terceira, voltar o bico para o ar; a quarta, não ter
cor determinada; a quinta, cantar suavemente.”
[9]
Através da força de vontade e do discernimento, o estudante descobre
a sua própria capacidade de transcender as limitações. A integração crescente
entre os seus vários níveis de consciência faz com que ele descubra passo a
passo - entre um desafio e outro - a beleza ilimitada da vida. A filosofia esotérica original dá uma base
referencial ampla e firme para este processo de transmutação. Robert Crosbie escreve:
“Quanto mais tempo um indivíduo” estuda ao longo de linhas
teosóficas, e quanto mais ele faz da filosofia uma base para seu pensamento e
sua ação, tanto mais completamente ele verá, creio a beleza e as possibilidades
da vida, e as tremendas oportunidades que ela produz para aqueles que estão
dispostos a trabalhar com altruísmo. [10]
De fato, ninguém deve ficar surpreso ao ouvir dizer que o
altruísmo - com seu caminho estreito e íngreme traz felicidade. A felicidade é
interna: os obstáculos são externos. O
“Wen-tzu” - um clássico do taoísmo filosófico - esclarece:
“As pessoas verdadeiras sabem de que modo considerar o ser
interior como grande e o mundo como pequeno.”
Para o estudante de filosofia, a felicidade está no que é imenso
e eterno, isto é, o ser interior. O sofrimento existe apenas no ser externo, pequeno
e passageiro.
O “Wen-tzu” prossegue em sua descrição das pessoas
verdadeiras:
“Elas preferem o auto-governo e desprezam o ato de governar
os outros. Elas não deixam que as coisas perturbem a sua harmonia, e não
permitem que desejos desorganizem os seus sentimentos.” [11]
A grande ilusão da sociedade contemporânea consiste em
acreditar que a ignorância espiritual traz felicidade. Na realidade, a vida não
começa aos quarenta, e a vida não começa aos sessenta. A vida começa a cada
instante, quando a pessoa trabalha a partir do princípio do altruísmo e da
solidariedade que caracterizam o seu verdadeiro eu.
NOTAS:
[1] “A Book of Quotations From Robert
Crosbie”, Theosophy Co., Mumbai, India, 108 pp., ver p. 52.
[2] “A Book of Quotations from Robert
Crosbie”, obra citada, ver p. 43.
[3] “A Book of Quotations From Robert
Crosbie”, obra citada, p. 45.
[4] “A Book of Quotations From Robert
Crosbie”, obra citada, p. 48.
[5]
“A Book of
Quotations From Robert Crosbie”, obra citada., pp. 102 e 103. Na p. 102,
veja o item “15” . Na p. 103, veja o item “17” .
[6]
“A Book of
Quotations From Robert Crosbie”, obra citada, p. 05.
[7] “A Book of Quotations From W. Q. Judge”,
Theosophy Co., Mumbai , India , 1968, 100 pp., ver p. 4.
[8] “A Book of Quotations From Robert Crosbie”,
obra citada, ver p. 52, item “28” .
[9] São João da
Cruz, citado em “A Vida Secreta da Natureza”, de Carlos Cardoso Aveline, Ed.
Bodigaya, Porto Alegre, terceira edição, 2007, 157 pp., ver p. 89.
[10] “A Book of Quotations From Robert Crosbie”,
obra citada, p. 36, item “3” .
[11] “Wen-tzu, a
Compreensão dos Mistérios - Ensinamentos de Lao-tzu”, Tradução do chinês, de
Thomas Cleary, Ed. Teosófica, Brasília, 198 pp., ver p. 27.Fonte; www.filosofiaesoterica.com
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